REVISTA FEMININA 2015 – Vol 43 n °5
Celiac disease as a cause of women infertility: a systematic review
Geraldo Antônio Roni Neto1
João Alexandre Cardoso Lopes Rêgo1
Hilário Parise Júnior1
Antônio de Pádua Peppe Neto1
Guilherme Mesquita Elias Batista Soares1
Marcos de Araújo Nunes Ferreira1
Vera Lucia Angelo Andrade2
Liubiana Arantes Araújo Regazzoni3
Palavras-chave
Doença celíaca
Infertilidade
Prematuridade
Aborto
Desnutrição
Keywords
Celiac disease
Infertility
Prematurity
Abortion
Malnutrition
Resumo A doença celíaca (DC) apresenta, além de alterações gastrintestinais, manifestações atípicas, como infertilidade. O trabalho objetivou demonstrar a relação entre DC e infertilidade feminina, bem como elucidar a importância de sua triagem, por via sorológica, em mulheres com infertilidade de causa desconhecida. Revisão sistemática de 40 artigos publicados entre 1999 e 2014, por meio de buscas sistemáticas utilizando as bases de dados MEDLINE (via PUBMED), LILACS e SciELO. A prevalência de DC no Brasil foi de um para 681 em grupos presumivelmente sadios e 1 para 293 em adultos e crianças sem queixas gastrintestinais. Foi descrito relação entre anticorpos presentes na DC e desordens do aparelho reprodutor feminino, determinando supressão de fatores de crescimento, alterações das funções secretoras da placenta, dano trofoblástico e apoptose tecidual. Além disso, a atrofia das vilosidades na DC promove deficiência nutricional, determinando oligomenorreia, metrorragia e dismenorreia. No recém-nascido, observou-se prematuridade, pré-eclâmpsia e indivíduos pequenos para idade gestacional. A grande relevância do diagnóstico se dá pelo fato de o tratamento poder prevenir danos tanto para o feto quanto para a mãe. Existe relação entre DC e infertilidade e a triagem sorológica em mulheres com infertilidade de causa desconhecida está indicada.
Abstract The celiac disease (DC) presents gastrintestinal alterations, as well as unusual signs such as infertility. The objective of this review is to demonstrate the relation between DC and woman infertility, and show the importance of its screening through serological methods in women with unexplained infertility. Systematic review of 40 published articles between 1999 and 2014, through systematic search using MEDLINE (via PUBMED), LILACS e SciELO databases. The prevalence of DC in Brazil was from one to 681 in healthy groups and from one to 293 in adults and children without gastrointestinal complaints. It was described a relation between antibodies present in DC and women reproductive system disorders, determining suppression of growth factors, alterations in the secretory placenta functions, trophoblastic damage and tissue apoptosis. Besides that, the atrophy of intestinal villus in DC promotes nutritional deficiency, determining oligomenorrhea, metrorrhagia e dysmenorrhea. In newborns, it was observed prematurity, pre-eclampsia and small individuals for gestational age. The biggest relevance of the diagnosis is due to the fact of the treatment to prevent damage for the fetus as well as the mother. There is a relation between DC and infertility so, the sorological screening in women with unexplained infertility is recommended.
1Acadêmico Curso de Medicina da Universidade José do Rosário Vellano, Campus Belo Horizonte (UNIFENAS-BH) – Belo Horizonte (MG), Brasil. 2Gastroenterologista Mestre e Doutora em Patologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil. 3Mestre e Doutora em Neuropediatria pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)/Harvard Medical School. Professora do Curso de Medicina da UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil.
Endereço para correspondência: Geraldo Antônio Roni Neto – Alameda do Morro, 85, Torre 07, Apto. 1.602 – Vila da Serra – CEP: 34000-000 – Nova Lima (MG), Brasil – E-mail: geraldo931@hotmail.com
Conflito de interesses: nada a declarar.
Introdução
A doença celíaca (DC) é uma enteropatia que cursa com intolerância permanente induzida pelo glúten em indivíduos geneticamente predispostos, causando uma reação inflamatória crônica do intestino delgado, mediada por linfócitos T. Esta representa a síndrome absortiva de origem genética mais prevalente no mundo, acometendo cerca de 1% da população mundial, sendo também mais frequente em mulheres1-4. Estima-se que, nos Estados Unidos, a incidência de DC tenha quadruplicado nos últimos 50 anos e duplicado entre os anos 1990 e 2000, na Europa5,6. No Brasil, onde era tida como doença rara, detectou-se, no ano de 2003, uma prevalência que varia entre 1 e 681 em grupos presumivelmente sadios e entre 1 e 293 em adultos e crianças sem queixas gastrintestinais7.
Clinicamente, apresenta-se com manifestações típicas de síndromes de má absorção; entretanto, tem sido cada vez mais associada a manifestações extraintestinais, dentre elas disfunções do aparelho reprodutor feminino, como: abortos recorrentes, crescimento intrauterino restrito, prematuridade e infertilidade8-10.
Diante da suspeita de DC, a abordagem inicial do paciente deve ser feita por meio de exames de rastreio, dentre os quais existem dois principais: teste de pesquisa do anticorpo antiendomísioIgA e antitransglutaminaseIgA. A pesquisa do anticorpo antigliadinaIgA e IgG, que também já foi utilizada para rastreio, atualmente, não é mais rotineiramente recomendada, dada a sua baixa sensibilidade e especificidade. A triagem por métodos sorológicos é importante, pois identifica os indivíduos que deverão ou não realizar biópsia intestinal, permitindo, muitas vezes, que o diagnóstico de DC seja feito mesmo em indivíduos assintomáticos3,5.
O anticorpo antiendomísio da classe IgA, identificado pela técnica de imunofluorescência indireta, apresenta sensibilidade de 86 a 100% e especificidade de 90 a 100%. Por fim, o anticorpo antitransglutaminase da classe IgA, também obtido pelo método imunoenzimático de ELISA, possui sensibilidade de 77 a 100% e especificidade de 91 a 100%, com valores semelhantes entre crianças e adultos3,5.
A sensibilidade dos testes sorológicos, em geral, é diretamente proporcional ao grau de atrofia das vilosidades intestinais, porém um teste sorológico negativo não exclui DC9.
O diagnóstico definitivo é feito por endoscopia digestiva alta com biópsia do intestino delgado, sendo preconizada a obtenção de 4 a 6 amostras do duodeno descendente, uma vez que a atrofia das vilosidades ocorre de maneira desigual9.
A partir da década de 1970, a relação da DC com infertilidade foi aventada, sendo esta definida como a impossibilidade de
conceber após 12 meses de relações sexuais desprotegidas11. Entretanto, a literatura ainda não comprovou o mecanismo fisiopatológico da DC causando infertilidade. Considerando a natureza estigmatizante da infertilidade e sua influência negativa na auto estima, mostra-se importante um maior entendimento a respeito do assunto12.
Objetivo
O presente estudo teve como objetivo elucidar a infertilidade como consequência da DC e alertar a respeito da importância da pesquisa de DC em mulheres com infertilidade de causa desconhecida. Além disso, correlacionou-se os efeitos da intolerância ao glúten com prematuridade, aborto, má nutrição fetal e suas consequências na gravidez.
Metodologia
Foi realizada revisão sistemática da literatura, no primeiro semestre de 2015, usando os descritores conforme a base de dados Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), sendo estes: celiac disease and infertility; celiac disease and premature; celiac disease and abortion; celiac disease and malnutrition and pregnancy. Utilizaram-se três bases de dados, MEDLINE (via PubMed), LILACS e SciELO. Os critérios de inclusão foram artigos publicados nos últimos 20 anos, estudos feitos em humanos e nos idiomas, português, inglês e espanhol. Os critérios de exclusão, mulheres com infertilidade de outra etiologia, que não DC.
As estratégias de busca e a quantidade de artigos recuperados, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, estão descritas no Quadro 1.
Conforme as bases de dados e os descritores citados anteriormente, foram selecionados 32 artigos, a partir dos quais foram incluídos mais 5 presentes nas referências destes. Outros três artigos foram obtidos a partir de sugestão do orientador. Todo esse processo de seleção encontra-se ilustrado na Figura 1.
Discussão
Diversas teorias vêm sendo propostas quanto à relação entre DC e infertilidade e quanto ao mecanismo fisiopatológico envolvido nesse processo. Entretanto, dos 40 artigos selecionados, apenas 16 mencionam possíveis explicações para esses fatos.
A prevalência de infertilidade em mulheres com DC apresentou valores discordantes entre alguns dos autores selecionados. Meloni et al., em estudo transversal realizado
em 1999, estimaram que a DC afetaria 8% das mulheres com diagnóstico de infertilidade sem causa definida13. Khoshbaten et al. avaliaram um grupo de 100 casais iranianos com infertilidade não esclarecida, observaram alta prevalência de titulações sorológicas (6,5% para o teste e2,8% para o controle) para DC, quando comparado a pacientes com fertilidade normal14.
Tata et al. realizaram estudo com 1.521 mulheres com DC e 7.732 mulheres sem DC, concluindo que as taxas globais de fecundidade dos grupos com a doença é similar à da população em geral15. Zugna et al. chegaram à mesma conclusão quando realizaram pesquisa com 1.495 mulheres com CD e 51.109 controles16. Hogen Esch et al., em estudo caso controle, também apresentaram dados semelhantes aos anteriores em estudo com amostra de 1.038 pacientes atendidos em uma clínica de infertilidade e 1.432 controles17. Os mesmos resultados foram obtidos por Dhalwani et al., em estudo coorte realizado com 2.319.718 mulheres potencialmente férteis que não tinham DC e 6.506 mulheres com a doença18. Os quatro trabalhos apresentaram amostras numericamente significativas, o que representa dado favorável ao estudo. Entretanto, houve perda de amostra populacional durante o estudo de Hogen Esch et al. e registro incompleto de dados dos pacientes nos estudos de Tata et al. e Dhalwani et al.
Outra informação relevante foi obtida por Marild et al., identificando relação positiva entre a realização de cesáreas eletivas e o desenvolvimento de DC, deixando sua hipótese de que essa patologia teria relação com a flora bacteriana do recém-nascido, mais consistente19.
Três estudos se destacam na avaliação da influência dos anticorpos antiendomísio, antigliadina e antitransglutaminase, presentes na DC, sobre a gênese de alterações no aparelho reprodutor feminino. Khashan et al., em um estudo coorte realizado em 2010, mostraram que a presença desses anticorpos determina alterações da dinâmica celular, supressão de fatores de crescimento e alterações de funções secretoras da placenta20. Enquanto isso, Piazza et al. relacionam a presença de anticorpos antitransglutaminase com dano trofoblástico e maior apoptose tecidual, o que condiciona uma dificuldade à implantação trofoblástica e, consequentemente, progressão da gestação8. Sharshiner et al., em estudo de caso controle, constataram que alguns casos de infertilidade têm etiopatogênese autoimune, principalmente relacionada à síndrome do anticorpo antifosfolípide, que também pode estar presente na DC21. Outro estudo, feito por Bourdon et al., tentou usar a citrulina urinária na prevenção da tolerância gastrointestinal, entretanto não obteve sucesso22.
Na DC ocorre atrofia das vilosidades intestinais, com consequente desencadeamento de síndrome de má absorção, podendo haver déficit de diversos nutrientes, tais como zinco, magnésio, fósforo e vitamina B12. Martinelli et al., em estudo de caso controle, mostraram associação da deficiência de nutrientes com alterações como: oligomenorreia, dismenorreia, metrorragia e hipomenorreia23. Na metanálise conduzida por Tersigni et al., observou-se queda na síntese e secreção de hormônio luteinizante e hormônio folículo estimulante, que foi relacionada à má absorção de zinco acarretando em regulação anormal do eixo ovariano, amenorreia secundária, abortos espontâneos e pré-eclâmpsia24. Já Khoshbaten et al. e Pellicano et al. concluíram que o desequilíbrio nutricional, especialmente a má absorção de nutrientes como zinco, selênio, ferro e ácido fólico, pode ser a base dos distúrbios reprodutivos mediada pela DC, principalmente a infertilidade14,25.
No estudo feito por Martinelli et al., realizado em 2000 com 845 gestantes, 12 eram portadoras de DC, constatou-se evolução desfavorável em 7 destas. As principais intercorrências gestacionais foram prematuridade, pré-eclâmpsia e PIG (criança pequena para idade gestacional inferior a -2 desvios-padrão para média de nascidos vivos)26. Já Kumar et al. avaliaram grupos de pacientes com abortamentos de repetição, natimortos, retardo de crescimento intrauterino e infertilidade sem causa aparente, com base nos títulos de anticorpos IgA-tTG, e também observaram que a DC latente teve 5,43 vezes mais chances de ocorrer no primeiro grupo, 4,61 vezes no segundo, 7,75 vezes no terceiro e 4,51 vezes no quarto grupo, quando comparados com os grupos controles27. Quanto a Sher et al., observou-se que o número médio de crianças nascidas de pacientes com DC, 1,9, foi significativamente menor em comparação com o de pessoas sadias, 2,528.
Khashan et al. também correlacionaram a DC com o peso ao nascer e a ocorrência de parto prematuro. As mães foram divididas em 3 grupos:
O grupo consistiu de 504.342 partos, com 346 crianças nascidas antes do diagnóstico de DC e 1.105 nascidas após o diagnóstico, levando em consideração que essas mães estavam utilizando dieta livre de glúten. A média de peso foi 3.500 g para mães tratadas, 3.354 g para as mães não tratadas e 3.490 g para os filhos sem a doença. O estudo concluiu que houve diferença nos pacientes com DC não tratada sobre peso ao nascer e sobre a frequência de partos prematuros, em comparação com a população normal, sendo a doença um fator de risco para ambos20.
Além disso, Ciacci et al., em estudo de caso controle, relacionaram a DC com trombofilia e está com interrupção precoce da gravidez29. Por sua vez, Martinelli et al. observaram a presença de oligomenorreia, hipermenorreia, dismenorreia e metrorragia nas mulheres com DC, sendo que 70% destas não faziam dieta isenta de glúten. Outro aspecto analisado foi a associação entre DC e distúrbios na gestação, sendo quase duas vezes maior o risco de aborto nas mulheres com DC, embora não tenha obser vado relação estatisticamente significativa. Este estudo também correlacionou o distúrbio da intolerância ao glúten com risco de aborto, hipertensão gestacional, descolamento prematuro da placenta, anemia grave, hipercinesia uterina e crescimento intrauterino restrito23.
O diagnóstico laboratorial inicia-se com a pesquisa de anticorpos antiendomísio da classe IgA (IgA-EMA), teste laboratorial de maior importância, tendo sensibilidade e especificidade em torno de 97% e que evidencia a presença da transglutaminase tecidual, pelo método de imunofluorescência indireta, segundo Piazza et al., o qual demonstrou que também pode ser feito o teste de anticorpos antigliadina (Ig Aantigliadina), apesar de apresentar uma sensibilidade menor, em torno de 80 a 90%, e sua especificidade ser de 85 a 95%. Por sua vez, os anticorpos Ig Gantigliadina são menos sensíveis, com taxa de 75 a 85%, e sua especificidade é de 75 a 90%8.
Dentre os 40 estudos analisados, 14 abordaram o método de diagnóstico definitivo, que é realizado por meio da biópsia jejunal por via endoscópica2,3,5,19,25,29-37, como evidenciado por Martins et al. e Choi et al., em pacientes que apresentaram teste sorológico positivo, tendo sido obtidas de três a quatro amostras de mucosa duodenal. O diagnóstico histopatológico baseou-se na presença de linfócitos intraepiteliais (LIEs), hiperplasia de criptas e atrofia das vilosidades30,31. Os resultados são classificados, de acordo com os critérios de Marsh, em: tipo 0 (normal), tipo 1 (infiltrativo), tipo 2 (hiperplásico) e tipo 3 (destrutivo), como citado por Martins et al.30. Os critérios de Marsh são demonstrados em arquivo anexo (Anexo A).
Muitos estudos concordam que o tratamento mais efetivo para a DC se baseia em uma dieta isenta de glúten, proteína presente em trigo, cevada, aveia e centeio; entretanto, a adesão de forma correta e prolongada a essa dieta é muito difícil30-33,38-40. Martins et al. evidenciaram que a cada três pacientes positivos para DC, duas não conseguiram ou não quiseram seguir a dieta. Esse número se eleva ainda mais se as pacientes forem adolescentes30. Piazza et al. relataram que pequenas quantidades de glúten podem estar presentes em diversos produtos alimentares, mesmo que não derivados de trigo e centeio, funcionando assim como contaminantes permanentes8.
Na DC ocorre atrofia das vilosidades intestinais, com consequente desencadeamento de síndrome de má absorção, podendo haver déficit de diversos nutrientes, tais como zinco, magnésio, fósforo e vitamina B12. Martinelli et al., em estudo de caso controle, mostraram associação da deficiência de nutrientes com alterações como: oligomenorreia, dismenorreia, metrorragia e hipomenorreia23. Na metanálise conduzida por Tersigni et al., observou-se queda na síntese e secreção de hormônio luteinizante e hormônio folículo estimulante, que foi relacionada à má absorção de zinco acarretando em regulação anormal do eixo ovariano, amenorreia secundária, abortos espontâneos e pré-eclâmpsia24. Já Khoshbaten et al. e Pellicano et al. concluíram que o desequilíbrio nutricional, especialmente a má absorção de nutrientes como zinco, selênio, ferro e ácido fólico, pode ser a base dos distúrbios reprodutivos mediada pela DC, principalmente a infertilidade14,25.
No estudo feito por Martinelli et al., realizado em 2000 com 845 gestantes, 12 eram portadoras de DC, constatou-se evolução desfavorável em 7 destas. As principais intercorrências gestacionais foram prematuridade, pré-eclâmpsia e PIG (criança pequena para idade gestacional inferior a -2 desvios-padrão para média de nascidos vivos)26. Já Kumar et al. avaliaram grupos de pacientes com abortamentos de repetição, natimortos, retardo de crescimento intrauterino e infertilidade sem causa aparente, com base nos títulos de anticorpos IgA-tTG, e também observaram que a DC latente teve 5,43 vezes mais chances de ocorrer no primeiro grupo, 4,61 vezes no segundo, 7,75 vezes no terceiro e 4,51 vezes no quarto grupo, quando comparados com os grupos controles27. Quanto a Sher et al., observou-se que o número médio de crianças nascidas de pacientes com DC, 1,9, foi significativamente menor em comparação com o de pessoas sadias, 2,528.
Khashan et al. também correlacionaram a DC com o peso ao nascer e a ocorrência de parto prematuro. As mães foram divididas em 3 grupos:
O grupo consistiu de 504.342 partos, com 346 crianças nascidas antes do diagnóstico de DC e 1.105 nascidas após o diagnóstico, levando em consideração que essas mães estavam utilizando dieta livre de glúten. A média de peso foi 3.500 g para mães tratadas, 3.354 g para as mães não tratadas e 3.490 g para os filhos sem a doença. O estudo concluiu que houve diferença nos pacientes com DC não tratada sobre peso ao nascer e sobre a frequência de partos prematuros, em comparação com a população normal, sendo a doença um fator de risco para ambos20.
Além disso, Ciacci et al., em estudo de caso controle, relacionaram a DC com trombofilia e está com interrupção precoce da gravidez29. Por sua vez, Martinelli et al. observaram a presença de oligomenorreia, hipermenorreia, dismenorreia e metrorragia nas mulheres com DC, sendo que 70% destas não faziam dieta isenta de glúten. Outro aspecto analisado foi a associação entre DC e distúrbios na gestação, sendo quase duas vezes maior o risco de aborto nas mulheres com DC, embora não tenha obser vado relação estatisticamente significativa. Este estudo também correlacionou o distúrbio da intolerância ao glúten com risco de aborto, hipertensão gestacional, descolamento prematuro da placenta, anemia grave, hipercinesia uterina e crescimento intrauterino restrito23.
O diagnóstico laboratorial inicia-se com a pesquisa de anticorpos antiendomísio da classe IgA (IgA-EMA), teste laboratorial de maior importância, tendo sensibilidade e especificidade em torno de 97% e que evidencia a presença da transglutaminase tecidual, pelo método de imunofluorescência indireta, segundo Piazza et al., o qual demonstrou que também pode ser feito o teste de anticorpos antigliadina (Ig Aantigliadina), apesar de apresentar uma sensibilidade menor, em torno de 80 a 90%, e sua especificidade ser de 85 a 95%. Por sua vez, os anticorpos Ig Gantigliadina são menos sensíveis, com taxa de 75 a 85%, e sua especificidade é de 75 a 90%8.
Dentre os 40 estudos analisados, 14 abordaram o método de diagnóstico definitivo, que é realizado por meio da biópsia jejunal por via endoscópica2,3,5,19,25,29-37, como evidenciado por Martins et al. e Choi et al., em pacientes que apresentaram teste sorológico positivo, tendo sido obtidas de três a quatro amostras de mucosa duodenal. O diagnóstico histopatológico baseou-se na presença de linfócitos intraepiteliais (LIEs), hiperplasia de criptas e atrofia das vilosidades30,31. Os resultados são classificados, de acordo com os critérios de Marsh, em: tipo 0 (normal), tipo 1 (infiltrativo), tipo 2 (hiperplásico) e tipo 3 (destrutivo), como citado por Martins et al.30. Os critérios de Marsh são demonstrados em arquivo anexo (Anexo A).
Muitos estudos concordam que o tratamento mais efetivo para a DC se baseia em uma dieta isenta de glúten, proteína presente em trigo, cevada, aveia e centeio; entretanto, a adesão de forma correta e prolongada a essa dieta é muito difícil30-33,38-40. Martins et al. evidenciaram que a cada três pacientes positivos para DC, duas não conseguiram ou não quiseram seguir a dieta. Esse número se eleva ainda mais se as pacientes forem adolescentes30. Piazza et al. relataram que pequenas quantidades de glúten podem estar presentes em diversos produtos alimentares, mesmo que não derivados de trigo e centeio, funcionando assim como contaminantes permanentes8.
Pepper et al. sugerem que para as gestantes com DC, além da dieta livre de glúten, outra medida nutricional seria a suplementação de vitamina B12, visando uma redução de problemas fetais, como déficit de desenvolvimento cerebral e funcionamento cognitivo pós-nascimento. Porém, os mecanismos biológicos envolvidos na profilaxia não foram esclarecidos32.
Os resumos dos artigos selecionados conforme autor, ano,local de publicação, tipo de estudo, amostra, resultados, limitações e equator, dos trabalhos mais relevantes estão compilados no quadro anexo (Anexo B).
Conclusão
A DC representa um possível fator etiopatogênico de infertilidade em mulheres, porém frequentemente negligenciado na prática clínica. A fisiopatologia ainda continua não totalmente esclarecida. Não há dados epidemiológicos que confirmem a prevalência de infertilidade em pacientes com DC em nosso meio. Apesar disso, o rastreio laboratorial em mulheres com infertilidade inexplicada deveria ser realizado rotineiramente.
Observou-se que o tratamento da DC permitiu obter a melhora
dos sintomas e suas complicações, inclusive a infertilidade e os
danos para o feto. É importante que os profissionais da saúde se atentem para a DC em mulheres com infertilidade de causa desconhecida, devendo, assim, lançar mão dos exames laboratoriais disponíveis para o rastreio e diagnóstico inicial dessa comorbidade.
Dessa forma, pode-se prevenir o estresse emocional provo cado nas mulheres que desejam engravidar e as alterações no recém-nascido.
Agradecimentos
Ao doutor Nivaldo Hartung Toppa, pela atenção e disponibilização de imagens obtidas por biópsias realizadas em seu Laboratório Analys Patologia.
A Kely Aparecida Alves, pelo carinho, pela atenção e pelo imprescindível apoio institucional da UNIFENAS-BH na rea-
lização deste trabalho.
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