REVISTA FEMININA 2015 – Vol 43 n °5

 

A doença celíaca como causa de infertilidade feminina: uma revisão sistemática

Celiac disease as a cause of women infertility: a systematic review

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Geraldo Antônio Roni Neto1 

João Alexandre Cardoso Lopes Rêgo1

Hilário Parise Júnior1 

Antônio de Pádua Peppe Neto1

Guilherme Mesquita Elias Batista Soares1 

Marcos de Araújo Nunes Ferreira1

Vera Lucia Angelo Andrade2 

Liubiana Arantes Araújo Regazzoni3 

 

Palavras-chave 

Doença celíaca 

Infertilidade 

Prematuridade 

Aborto 

Desnutrição 

Keywords 

Celiac disease 

Infertility 

Prematurity 

Abortion 

Malnutrition 

REVISÃO

Resumo A doença celíaca (DC) apresenta, além de alterações gastrintestinais,  manifestações atípicas, como infertilidade. O trabalho objetivou demonstrar a relação entre DC e infertilidade feminina,  bem como elucidar a importância de sua triagem, por via sorológica, em mulheres com infertilidade de causa  desconhecida. Revisão sistemática de 40 artigos publicados entre 1999 e 2014, por meio de buscas sistemáticas  utilizando as bases de dados MEDLINE (via PUBMED), LILACS e SciELO. A prevalência de DC no Brasil foi de um  para 681 em grupos presumivelmente sadios e 1 para 293 em adultos e crianças sem queixas gastrintestinais. Foi  descrito relação entre anticorpos presentes na DC e desordens do aparelho reprodutor feminino, determinando  supressão de fatores de crescimento, alterações das funções secretoras da placenta, dano trofoblástico e  apoptose tecidual. Além disso, a atrofia das vilosidades na DC promove deficiência nutricional, determinando  oligomenorreia, metrorragia e dismenorreia. No recém-nascido, observou-se prematuridade, pré-eclâmpsia e indivíduos pequenos para idade gestacional. A grande relevância do diagnóstico se dá pelo fato de o tratamento  poder prevenir danos tanto para o feto quanto para a mãe. Existe relação entre DC e infertilidade e a triagem  sorológica em mulheres com infertilidade de causa desconhecida está indicada.

Abstract The celiac disease (DC) presents gastrintestinal alterations, as well as  unusual signs such as infertility. The objective of this review is to demonstrate the relation between DC and woman  infertility, and show the importance of its screening through serological methods in women with unexplained  infertility. Systematic review of 40 published articles between 1999 and 2014, through systematic search using  MEDLINE (via PUBMED), LILACS e SciELO databases. The prevalence of DC in Brazil was from one to 681 in  healthy groups and from one to 293 in adults and children without gastrointestinal complaints. It was described  a relation between antibodies present in DC and women reproductive system disorders, determining suppression  of growth factors, alterations in the secretory placenta functions, trophoblastic damage and tissue apoptosis.  Besides that, the atrophy of intestinal villus in DC promotes nutritional deficiency, determining oligomenorrhea,  metrorrhagia e dysmenorrhea. In newborns, it was observed prematurity, pre-eclampsia and small individuals for  gestational age. The biggest relevance of the diagnosis is due to the fact of the treatment to prevent damage  for the fetus as well as the mother. There is a relation between DC and infertility so, the sorological screening  in women with unexplained infertility is recommended. 

1Acadêmico Curso de Medicina da Universidade José do Rosário Vellano, Campus Belo Horizonte (UNIFENAS-BH) – Belo Horizonte (MG), Brasil. 2Gastroenterologista Mestre e Doutora em Patologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil. 3Mestre e Doutora em Neuropediatria pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)/Harvard Medical School. Professora do Curso de Medicina da UFMG –  Belo Horizonte (MG), Brasil. 

Endereço para correspondência: Geraldo Antônio Roni Neto – Alameda do Morro, 85, Torre 07, Apto. 1.602 – Vila da Serra – CEP: 34000-000 –  Nova Lima (MG), Brasil – E-mail: geraldo931@hotmail.com 

Conflito de interesses: nada a declarar.

Baixe o arquivo original

Introdução 

A doença celíaca (DC) é uma enteropatia que cursa com intolerância permanente induzida pelo glúten em indivíduos geneticamente  predispostos, causando uma reação inflamatória crônica do intestino  delgado, mediada por linfócitos T. Esta representa a síndrome absortiva de origem genética mais prevalente no mundo, acometendo  cerca de 1% da população mundial, sendo também mais frequente  em mulheres1-4. Estima-se que, nos Estados Unidos, a incidência  de DC tenha quadruplicado nos últimos 50 anos e duplicado entre  os anos 1990 e 2000, na Europa5,6. No Brasil, onde era tida como  doença rara, detectou-se, no ano de 2003, uma prevalência que varia  entre 1 e 681 em grupos presumivelmente sadios e entre 1 e 293  em adultos e crianças sem queixas gastrintestinais7

Clinicamente, apresenta-se com manifestações típicas de  síndromes de má absorção; entretanto, tem sido cada vez mais  associada a manifestações extraintestinais, dentre elas disfunções  do aparelho reprodutor feminino, como: abortos recorrentes,  crescimento intrauterino restrito, prematuridade e infertilidade8-10

Diante da suspeita de DC, a abordagem inicial do paciente deve  ser feita por meio de exames de rastreio, dentre os quais existem  dois principais: teste de pesquisa do anticorpo antiendomísioIgA e  antitransglutaminaseIgA. A pesquisa do anticorpo antigliadinaIgA  e IgG, que também já foi utilizada para rastreio, atualmente, não  é mais rotineiramente recomendada, dada a sua baixa sensibilidade  e especificidade. A triagem por métodos sorológicos é importante,  pois identifica os indivíduos que deverão ou não realizar biópsia  intestinal, permitindo, muitas vezes, que o diagnóstico de DC  seja feito mesmo em indivíduos assintomáticos3,5

O anticorpo antiendomísio da classe IgA, identificado pela  técnica de imunofluorescência indireta, apresenta sensibilidade  de 86 a 100% e especificidade de 90 a 100%. Por fim, o anticorpo antitransglutaminase da classe IgA, também obtido pelo  método imunoenzimático de ELISA, possui sensibilidade de 77  a 100% e especificidade de 91 a 100%, com valores semelhantes  entre crianças e adultos3,5

A sensibilidade dos testes sorológicos, em geral, é diretamente  proporcional ao grau de atrofia das vilosidades intestinais, porém  um teste sorológico negativo não exclui DC9

O diagnóstico definitivo é feito por endoscopia digestiva alta  com biópsia do intestino delgado, sendo preconizada a obtenção  de 4 a 6 amostras do duodeno descendente, uma vez que a atrofia  das vilosidades ocorre de maneira desigual9

A partir da década de 1970, a relação da DC com infertilidade  foi aventada, sendo esta definida como a impossibilidade de

conceber após 12 meses de relações sexuais desprotegidas11. Entretanto,  a literatura ainda não comprovou o mecanismo fisiopatológico da DC causando infertilidade. Considerando a natureza estigmatizante  da infertilidade e sua influência negativa na auto estima, mostra-se  importante um maior entendimento a respeito do assunto12

Objetivo 

O presente estudo teve como objetivo elucidar a infertilidade  como consequência da DC e alertar a respeito da importância da  pesquisa de DC em mulheres com infertilidade de causa desconhecida. Além disso, correlacionou-se os efeitos da intolerância  ao glúten com prematuridade, aborto, má nutrição fetal e suas  consequências na gravidez. 

Metodologia 

Foi realizada revisão sistemática da literatura, no primeiro  semestre de 2015, usando os descritores conforme a base de dados  Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), sendo estes: celiac disease  and infertility; celiac disease and premature; celiac disease and abortion;  celiac disease and malnutrition and pregnancy. Utilizaram-se três bases  de dados, MEDLINE (via PubMed), LILACS e SciELO. Os critérios de inclusão foram artigos publicados nos últimos 20 anos,  estudos feitos em humanos e nos idiomas, português, inglês e  espanhol. Os critérios de exclusão, mulheres com infertilidade  de outra etiologia, que não DC. 

As estratégias de busca e a quantidade de artigos recuperados, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, estão  descritas no Quadro 1. 

Conforme as bases de dados e os descritores citados anteriormente, foram selecionados 32 artigos, a partir dos quais  foram incluídos mais 5 presentes nas referências destes. Outros  três artigos foram obtidos a partir de sugestão do orientador.  Todo esse processo de seleção encontra-se ilustrado na Figura 1. 

Discussão 

Diversas teorias vêm sendo propostas quanto à relação entre  DC e infertilidade e quanto ao mecanismo fisiopatológico envolvido nesse processo. Entretanto, dos 40 artigos selecionados,  apenas 16 mencionam possíveis explicações para esses fatos. 

A prevalência de infertilidade em mulheres com DC apresentou  valores discordantes entre alguns dos autores selecionados. Meloni  et al., em estudo transversal realizado

em 1999, estimaram que  a DC afetaria 8% das mulheres com diagnóstico de infertilidade  sem causa definida13. Khoshbaten et al. avaliaram um grupo de  100 casais iranianos com infertilidade não esclarecida, observaram alta prevalência de titulações sorológicas (6,5% para o teste e2,8% para o controle) para DC, quando comparado a pacientes  com fertilidade normal14

Tata et al. realizaram estudo com 1.521 mulheres com DC  e 7.732 mulheres sem DC, concluindo que as taxas globais de  fecundidade dos grupos com a doença é similar à da população  em geral15. Zugna et al. chegaram à mesma conclusão quando  realizaram pesquisa com 1.495 mulheres com CD e 51.109  controles16. Hogen Esch et al., em estudo caso controle, também apresentaram dados semelhantes aos anteriores em estudo  com amostra de 1.038 pacientes atendidos em uma clínica de  infertilidade e 1.432 controles17. Os mesmos resultados foram  obtidos por Dhalwani et al., em estudo coorte realizado com  2.319.718 mulheres potencialmente férteis que não tinham DC  e 6.506 mulheres com a doença18. Os quatro trabalhos apresentaram amostras numericamente significativas, o que representa dado favorável ao estudo. Entretanto, houve perda de amostra  populacional durante o estudo de Hogen Esch et al. e registro  incompleto de dados dos pacientes nos estudos de Tata et al. e  Dhalwani et al.

Outra informação relevante foi obtida por Marild et al., identificando relação positiva entre a realização de cesáreas eletivas  e o desenvolvimento de DC, deixando sua hipótese de que essa  patologia teria relação com a flora bacteriana do recém-nascido,  mais consistente19

Três estudos se destacam na avaliação da influência dos  anticorpos antiendomísio, antigliadina e antitransglutaminase,  presentes na DC, sobre a gênese de alterações no aparelho reprodutor feminino. Khashan et al., em um estudo coorte realizado  em 2010, mostraram que a presença desses anticorpos determina  alterações da dinâmica celular, supressão de fatores de crescimento  e alterações de funções secretoras da placenta20. Enquanto isso,  Piazza et al. relacionam a presença de anticorpos antitransglutaminase com dano trofoblástico e maior apoptose tecidual, o  que condiciona uma dificuldade à implantação trofoblástica e,  consequentemente, progressão da gestação8. Sharshiner et al.,  em estudo de caso controle, constataram que alguns casos de  infertilidade têm etiopatogênese autoimune, principalmente  relacionada à síndrome do anticorpo antifosfolípide, que também  pode estar presente na DC21. Outro estudo, feito por Bourdon  et al., tentou usar a citrulina urinária na prevenção da tolerância  gastrointestinal, entretanto não obteve sucesso22

Na DC ocorre atrofia das vilosidades intestinais, com consequente  desencadeamento de síndrome de má absorção, podendo haver  déficit de diversos nutrientes, tais como zinco, magnésio, fósforo  e vitamina B12. Martinelli et al., em estudo de caso controle,  mostraram associação da deficiência de nutrientes com alterações  como: oligomenorreia, dismenorreia, metrorragia e hipomenorreia23. Na metanálise conduzida por Tersigni et al., observou-se  queda na síntese e secreção de hormônio luteinizante e hormônio  folículo estimulante, que foi relacionada à má absorção de zinco  acarretando em regulação anormal do eixo ovariano, amenorreia  secundária, abortos espontâneos e pré-eclâmpsia24. Já Khoshbaten  et al. e Pellicano et al. concluíram que o desequilíbrio nutricional,  especialmente a má absorção de nutrientes como zinco, selênio,  ferro e ácido fólico, pode ser a base dos distúrbios reprodutivos  mediada pela DC, principalmente a infertilidade14,25

No estudo feito por Martinelli et al., realizado em 2000 com  845 gestantes, 12 eram portadoras de DC, constatou-se evolução  desfavorável em 7 destas. As principais intercorrências gestacionais foram prematuridade, pré-eclâmpsia e PIG (criança pequena  para idade gestacional inferior a -2 desvios-padrão para média de  nascidos vivos)26. Já Kumar et al. avaliaram grupos de pacientes  com abortamentos de repetição, natimortos, retardo de crescimento intrauterino e infertilidade sem causa aparente, com base  nos títulos de anticorpos IgA-tTG, e também observaram que a  DC latente teve 5,43 vezes mais chances de ocorrer no primeiro  grupo, 4,61 vezes no segundo, 7,75 vezes no terceiro e 4,51 vezes  no quarto grupo, quando comparados com os grupos controles27Quanto a Sher et al., observou-se que o número médio de crianças  nascidas de pacientes com DC, 1,9, foi significativamente menor  em comparação com o de pessoas sadias, 2,528

Khashan et al. também correlacionaram a DC com o peso  ao nascer e a ocorrência de parto prematuro. As mães foram  divididas em 3 grupos: 

  1. mães diagnosticadas e tratadas para DC; 
  2. mães portadoras de DC, porém ainda não diagnosticado no  momento da gestação; 
  3. mães sem DC. 

O grupo consistiu de 504.342 partos, com 346 crianças  nascidas antes do diagnóstico de DC e 1.105 nascidas após o  diagnóstico, levando em consideração que essas mães estavam  utilizando dieta livre de glúten. A média de peso foi 3.500 g  para mães tratadas, 3.354 g para as mães não tratadas e 3.490 g  para os filhos sem a doença. O estudo concluiu que houve diferença nos pacientes com DC não tratada sobre peso ao nascer e  sobre a frequência de partos prematuros, em comparação com a  população normal, sendo a doença um fator de risco para ambos20.

Além disso, Ciacci et al., em estudo de caso controle, relacionaram a DC com trombofilia e está com interrupção precoce da  gravidez29. Por sua vez, Martinelli et al. observaram a presença  de oligomenorreia, hipermenorreia, dismenorreia e metrorragia  nas mulheres com DC, sendo que 70% destas não faziam dieta  isenta de glúten. Outro aspecto analisado foi a associação entre  DC e distúrbios na gestação, sendo quase duas vezes maior o  risco de aborto nas mulheres com DC, embora não tenha obser vado relação estatisticamente significativa. Este estudo também  correlacionou o distúrbio da intolerância ao glúten com risco  de aborto, hipertensão gestacional, descolamento prematuro  da placenta, anemia grave, hipercinesia uterina e crescimento  intrauterino restrito23

O diagnóstico laboratorial inicia-se com a pesquisa de anticorpos antiendomísio da classe IgA (IgA-EMA), teste laboratorial  de maior importância, tendo sensibilidade e especificidade em  torno de 97% e que evidencia a presença da transglutaminase  tecidual, pelo método de imunofluorescência indireta, segundo  Piazza et al., o qual demonstrou que também pode ser feito  o teste de anticorpos antigliadina (Ig Aantigliadina), apesar de  apresentar uma sensibilidade menor, em torno de 80 a 90%, e  sua especificidade ser de 85 a 95%. Por sua vez, os anticorpos  Ig Gantigliadina são menos sensíveis, com taxa de 75 a 85%,  e sua especificidade é de 75 a 90%8

Dentre os 40 estudos analisados, 14 abordaram o método  de diagnóstico definitivo, que é realizado por meio da biópsia  jejunal por via endoscópica2,3,5,19,25,29-37, como evidenciado por  Martins et al. e Choi et al., em pacientes que apresentaram teste  sorológico positivo, tendo sido obtidas de três a quatro amostras  de mucosa duodenal. O diagnóstico histopatológico baseou-se  na presença de linfócitos intraepiteliais (LIEs), hiperplasia de  criptas e atrofia das vilosidades30,31. Os resultados são classificados, de acordo com os critérios de Marsh, em: tipo 0 (normal),  tipo 1 (infiltrativo), tipo 2 (hiperplásico) e tipo 3 (destrutivo),  como citado por Martins et al.30. Os critérios de Marsh são  demonstrados em arquivo anexo (Anexo A). 

Muitos estudos concordam que o tratamento mais efetivo  para a DC se baseia em uma dieta isenta de glúten, proteína  presente em trigo, cevada, aveia e centeio; entretanto, a adesão  de forma correta e prolongada a essa dieta é muito difícil30-33,38-40.  Martins et al. evidenciaram que a cada três pacientes positivos  para DC, duas não conseguiram ou não quiseram seguir a dieta.  Esse número se eleva ainda mais se as pacientes forem adolescentes30. Piazza et al. relataram que pequenas quantidades de  glúten podem estar presentes em diversos produtos alimentares,  mesmo que não derivados de trigo e centeio, funcionando assim  como contaminantes permanentes8.

Na DC ocorre atrofia das vilosidades intestinais, com consequente  desencadeamento de síndrome de má absorção, podendo haver  déficit de diversos nutrientes, tais como zinco, magnésio, fósforo  e vitamina B12. Martinelli et al., em estudo de caso controle,  mostraram associação da deficiência de nutrientes com alterações  como: oligomenorreia, dismenorreia, metrorragia e hipomenorreia23. Na metanálise conduzida por Tersigni et al., observou-se  queda na síntese e secreção de hormônio luteinizante e hormônio  folículo estimulante, que foi relacionada à má absorção de zinco  acarretando em regulação anormal do eixo ovariano, amenorreia  secundária, abortos espontâneos e pré-eclâmpsia24. Já Khoshbaten  et al. e Pellicano et al. concluíram que o desequilíbrio nutricional,  especialmente a má absorção de nutrientes como zinco, selênio,  ferro e ácido fólico, pode ser a base dos distúrbios reprodutivos  mediada pela DC, principalmente a infertilidade14,25

No estudo feito por Martinelli et al., realizado em 2000 com  845 gestantes, 12 eram portadoras de DC, constatou-se evolução  desfavorável em 7 destas. As principais intercorrências gestacionais foram prematuridade, pré-eclâmpsia e PIG (criança pequena  para idade gestacional inferior a -2 desvios-padrão para média de  nascidos vivos)26. Já Kumar et al. avaliaram grupos de pacientes  com abortamentos de repetição, natimortos, retardo de crescimento intrauterino e infertilidade sem causa aparente, com base  nos títulos de anticorpos IgA-tTG, e também observaram que a  DC latente teve 5,43 vezes mais chances de ocorrer no primeiro  grupo, 4,61 vezes no segundo, 7,75 vezes no terceiro e 4,51 vezes  no quarto grupo, quando comparados com os grupos controles27Quanto a Sher et al., observou-se que o número médio de crianças  nascidas de pacientes com DC, 1,9, foi significativamente menor  em comparação com o de pessoas sadias, 2,528

Khashan et al. também correlacionaram a DC com o peso  ao nascer e a ocorrência de parto prematuro. As mães foram  divididas em 3 grupos: 

  1. mães diagnosticadas e tratadas para DC; 
  2. mães portadoras de DC, porém ainda não diagnosticado no  momento da gestação; 
  3. mães sem DC. 

O grupo consistiu de 504.342 partos, com 346 crianças  nascidas antes do diagnóstico de DC e 1.105 nascidas após o  diagnóstico, levando em consideração que essas mães estavam  utilizando dieta livre de glúten. A média de peso foi 3.500 g  para mães tratadas, 3.354 g para as mães não tratadas e 3.490 g  para os filhos sem a doença. O estudo concluiu que houve diferença nos pacientes com DC não tratada sobre peso ao nascer e  sobre a frequência de partos prematuros, em comparação com a  população normal, sendo a doença um fator de risco para ambos20.

Além disso, Ciacci et al., em estudo de caso controle, relacionaram a DC com trombofilia e está com interrupção precoce da  gravidez29. Por sua vez, Martinelli et al. observaram a presença  de oligomenorreia, hipermenorreia, dismenorreia e metrorragia  nas mulheres com DC, sendo que 70% destas não faziam dieta  isenta de glúten. Outro aspecto analisado foi a associação entre  DC e distúrbios na gestação, sendo quase duas vezes maior o  risco de aborto nas mulheres com DC, embora não tenha obser vado relação estatisticamente significativa. Este estudo também  correlacionou o distúrbio da intolerância ao glúten com risco  de aborto, hipertensão gestacional, descolamento prematuro  da placenta, anemia grave, hipercinesia uterina e crescimento  intrauterino restrito23

O diagnóstico laboratorial inicia-se com a pesquisa de anticorpos antiendomísio da classe IgA (IgA-EMA), teste laboratorial  de maior importância, tendo sensibilidade e especificidade em  torno de 97% e que evidencia a presença da transglutaminase  tecidual, pelo método de imunofluorescência indireta, segundo  Piazza et al., o qual demonstrou que também pode ser feito  o teste de anticorpos antigliadina (Ig Aantigliadina), apesar de  apresentar uma sensibilidade menor, em torno de 80 a 90%, e  sua especificidade ser de 85 a 95%. Por sua vez, os anticorpos  Ig Gantigliadina são menos sensíveis, com taxa de 75 a 85%,  e sua especificidade é de 75 a 90%8

Dentre os 40 estudos analisados, 14 abordaram o método  de diagnóstico definitivo, que é realizado por meio da biópsia  jejunal por via endoscópica2,3,5,19,25,29-37, como evidenciado por  Martins et al. e Choi et al., em pacientes que apresentaram teste  sorológico positivo, tendo sido obtidas de três a quatro amostras  de mucosa duodenal. O diagnóstico histopatológico baseou-se  na presença de linfócitos intraepiteliais (LIEs), hiperplasia de  criptas e atrofia das vilosidades30,31. Os resultados são classificados, de acordo com os critérios de Marsh, em: tipo 0 (normal),  tipo 1 (infiltrativo), tipo 2 (hiperplásico) e tipo 3 (destrutivo),  como citado por Martins et al.30. Os critérios de Marsh são  demonstrados em arquivo anexo (Anexo A). 

Muitos estudos concordam que o tratamento mais efetivo  para a DC se baseia em uma dieta isenta de glúten, proteína  presente em trigo, cevada, aveia e centeio; entretanto, a adesão  de forma correta e prolongada a essa dieta é muito difícil30-33,38-40.  Martins et al. evidenciaram que a cada três pacientes positivos  para DC, duas não conseguiram ou não quiseram seguir a dieta.  Esse número se eleva ainda mais se as pacientes forem adolescentes30. Piazza et al. relataram que pequenas quantidades de  glúten podem estar presentes em diversos produtos alimentares,  mesmo que não derivados de trigo e centeio, funcionando assim  como contaminantes permanentes8.

Pepper et al. sugerem que para as gestantes com DC, além da dieta livre de glúten, outra medida nutricional seria a suplementação de vitamina B12, visando uma redução de problemas fetais, como déficit de desenvolvimento cerebral e funcionamento cognitivo pós-nascimento. Porém, os mecanismos biológicos envolvidos na profilaxia não foram esclarecidos32.

Os resumos dos artigos selecionados conforme autor, ano,local de publicação, tipo de estudo, amostra, resultados, limitações e equator, dos trabalhos mais relevantes estão compilados no quadro anexo (Anexo B).

Conclusão

A DC representa um possível fator etiopatogênico de infertilidade em mulheres, porém frequentemente negligenciado na prática clínica. A fisiopatologia ainda continua não totalmente esclarecida. Não há dados epidemiológicos que confirmem a prevalência de infertilidade em pacientes com DC em nosso meio. Apesar disso, o rastreio laboratorial em mulheres com infertilidade inexplicada deveria ser realizado rotineiramente.

 

Observou-se que o tratamento da DC permitiu obter a melhora
dos sintomas e suas complicações, inclusive a infertilidade e os
danos para o feto. É importante que os profissionais da saúde se atentem para a DC em mulheres com infertilidade de causa desconhecida, devendo, assim, lançar mão dos exames laboratoriais disponíveis para o rastreio e diagnóstico inicial dessa comorbidade.

Dessa forma, pode-se prevenir o estresse emocional provo cado nas mulheres que desejam engravidar e as alterações no recém-nascido.

Agradecimentos

Ao doutor Nivaldo Hartung Toppa, pela atenção e disponibilização de imagens obtidas por biópsias realizadas em seu Laboratório Analys Patologia.


A Kely Aparecida Alves, pelo carinho, pela atenção e pelo imprescindível apoio institucional da UNIFENAS-BH na rea-
lização deste trabalho.

 

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